Sobreviver – Raul Brandão, Stanisław Lem, Andrei Tarkovsky (fragmento 1)
Pressinto uma vida oculta, a questão é fazê-la vir à supuração.
Raul Brandão, Húmus
A vida oculta, diz Húmus, é a verdadeira vida. Essa ocultação, a irremissível distância a que a vida se salvaguarda constituem precisamente a sua verdade: nenhuma supuração poderia expor por inteiro os mortos ressuscitados. Mesmo quando regressam à casa dos vivos, eles exigem o pudor, um salto ético no desconhecido, a mistura da vida com o que excede a vida, da gramática com o terror do inominável. Quando regressam, se alguma vez regressam, os mortos nunca realmente aparecem: revelam na realidade o buraco negro, denso e obscuro, do irresgatável.
Sobreviver – Raul Brandão, Stanisław Lem, Andrei Tarkovsky (fragmento 2)
Introduzo uma longa citação de Húmus, que poderia ser lida como se pertencesse a Solaris:
“Anoitece e sempre a aparição me persegue… Nunca mais deixei de a ver. A esta hora desesperada do crepúsculo ei-la que reaparece. Está mais pálida e nos seus olhos há uma grande, uma estranha piedade. Dir-se-ia que os seus olhos absorveram outra vez todas as lágrimas que por mim chorou… Não me acusa… A princípio a dúvida pôs-se a rir dentro de mim com escárnio, e tive vontade de lhe atirar lama e injúrias. Mas o meu riso transformava-se, passava por todos os tons, até se parecer com a respiração sufocada do terror. Continuar a ler